A perspectiva de que devemos
evitar comer carne ou peixe tem raízes filosóficas remotas.
Nos Upanishades (c. 1000 a.C.), a doutrina da
reencarnação levava à abstenção de carne; Buda ensinava a compaixão por todas
as criaturas capazes de ter sensações; os monges budistas não podiam matar
animais nem comer carne, a menos que soubessem que o animal não havia sido
morto por sua causa; o jainismo pregava a ahimsa, ou a nãoviolência em relação
a qualquer criatura viva e, portanto, a não ingestão de carne.
Na tradição ocidental, o Gênesis
sugere que os primeiros seres humanos eram vegetarianos e que a permissão para
comer carne só teria sido dada após o dilúvio. A partir daí, o vegetarianismo
encontra pouco apoio nas escrituras judia ou cristã, ou islâmicas. O
vegetarianismo filosófico, por sua vez, foi mais forte na Grécia e na Roma
antigas; foi defendido por Pitágoras, Empédocles, Plutarco, Plotino, Porfírio
e, em algumas passagens, Platão. Os pitagóricos abstinham-se de todo o alimento
animal e isto se devia, em parte, à crença de que homens e animais partilham a
mesma alma e, ao que parece, por considerarem esta dieta mais saudável. Platão
partilhava parcialmente estas duas ideias. O ensaio de
Plutarco, Sobre Comer Carne, escrito em fins do século I ou início do século II
de nossa era, é um argumento detalhado em defesa do vegetarianismo, apoiando-se
nas ideias de justiça e tratamento humano dos animais.
O interesse pelo vegetarianismo
ressurgiu no século XIX, devido a preocupações com questões de saúde e
tratamento humano dos animais.
Entre os pensadores vegetarianos
notáveis contam-se o poeta Percy Bysshe Shelley, Henry Salt (que escreveu um
livro pioneiro na área, intitulado Direitos dos Animais), e George Bernard
Shaw, que afirmou ter usado, em suas peças, as ideias que Salt lhe deu a
conhecer. Na Alemanha, Arthur Schopenhauer insistia que, por razões éticas,
deveríamos nos tornar vegetarianos, não fosse o facto de o género humano não
poder existir sem alimento animal, "no norte"!
A partir dos anos 70, o
vegetarianismo ganhou força a partir de três linhas de argumentação: saúde,
ecologia e preocupação pelos animais. A primeira baseia-se numa afirmação mais
científica que filosófica, e não será discutida aqui. As preocupações ecológicas
em relação ao hábito de comer carne surgem da bem documentada ineficiência na
criação de animais em larga escala, o que se aplica especialmente à agricultura
intensiva, em que o cereal cresce em boa terra e alimenta animais confinados a
ambientes fechados ou, no caso do gado, em campos de engorda sobrepovoados.
Boa parte do valor nutricional
do cereal se perde no processo e esta forma de produção animal consume ainda
grandes quantidades de energia.
Conseqüentemente, a preocupação
pelo problema da fome no mundo, pela preservação da terra e pela conservação de
energia fornecem uma base ética para uma dieta vegetariana, ou ao menos uma
dieta em que o consumo de carne seja minimizado.
Os argumentos a favor de uma
reavaliação do estatuto moral dos animais também têm apoiado o vegetarianismo.
Se os animais têm direitos, ou se é apropriado que os seus interesses recebam a
mesma consideração que nossos interesses, é fácil ver que há dificuldades em
afirmar que estamos autorizados a comer animais não-humanos (mas não,
presumivelmente, seres humanos, mesmo se em razão de algum acidente estes se
encontrarem em uma condição mental semelhante à dos animais que comemos).
Estes argumentos éticos em
defesa do vegetarianismo podem basear-se na perspectiva de que violamos os
direitos dos animais quando os matamos para nos alimentar ou, em fundamentos
mais utilitaristas, segundo os quais criar animais para nos servir de alimento
causa-lhes mais sofrimento do que o benefício obtido com o consumo de sua
carne.
Texto retirado de Oxford Companion to Philosophy, org. por Ted Honderich
(OUP, 1995).