Meu nome é Tereza, sou paulistana, tenho 34 anos e
sou vegetariana.
Parei de comer carne vermelha aos 11 anos,
simplesmente porque nunca fui muito fã de carne mesmo (mas quando éramos
crianças e íamos a churrascarias e tanto eu como os meus irmãos comíamos
coraçõezinhos e... bem... heeerr... eu gostava...).
Eis que um dia, na aula de ciências da quarta série
primária (sim, sou antiga e fiz “primário”), abrimos um coração de boi e um de
galinha.
Eu fiquei tão enojada, tão horrorizada, tão
impressionada... que naquele dia eu parei de comer carne vermelha.
Quando temos 11 anos e as nossas mães cozinham para
nós, temos uma vaga idéia de que aqueles bois que vemos nos pastos (ou na TV)
são os mesmos que, retalhados, são vendidos nos açougues ou supermercados e, a
seguir, servidos em nossas mesas (ainda mais se forem em forma de
hambúrgueres). Fazemos uma vaga idéia do que isso significa e toda a sociedade
silencia sobre esse assunto, não relacionando a carne de um animal a um cadáver.
A ruptura de parar de comer carne vermelha não foi
nem um pouco traumática para mim (exceto por questões sociais e familiares) e
nunca senti falta desse alimento (nem dos nutrientes e menos ainda do seu
sabor), para espanto de muitos.
A princípio, as pessoas estranharam. Meu pai achou
um absurdo, minha mãe teve que adaptar as refeições de uma família de cinco
pessoas para as minhas porções sem carne vermelha e assim fui levando. Já
passei muito perrengue e na minha cabeça não comer carne vermelha era quase
igual a ser vegetariana. As pessoas achavam tão esquisito, tão absurdo, que eu
pensava, se eu não era igual aos carnívoros, então já era uma
“semi-vegetariana”. Pois é, semi. Muitos me perguntavam “você é vegetariana?” e
eu respondia “não, eu ainda como carne branca” (e só agora eu sei a diferença
prática, mas calma que eu vou chegar lá).
Parecia igual pela pressão social, acho. As pessoas
já achavam tão inusitado não comer carne vermelha! Posso dizer que me enchiam
tanto a paciência antes quando eu só não comia a carne vermelha quanto me
enchem agora, que não como nenhuma. Por isso, ser vegano, ser vegetariano, não
faz diferença alguma: as pessoas vão se meter, vão se espantar, vão sugerir
exames de sangue e cápsulas de vitaminas, as pessoas vão comentar, as pessoas
vão fazer piadas... vão querer saber as razões... (e pior: vã continuar comendo
carne! Hahaha!).
Eu nunca optei pelo frango e menos ainda pelo peixe
espontaneamente. Não escolhia pastel de frango, pizza de frango, sanduíche de
atum, nada. Havendo opções eu sempre escolhia “queijo”, “pizza”, “palmito”,
“escarola”. Simplesmente por uma questão de paladar. Também não comia lingüiça
de frango, salsicha de frango, nenhum fruto do mar a não ser filé de peixe e
casquinha de siri (uma vez a cada dois anos, mais ou menos)... ou seja, eu já
tinha um “cardápio restrito”, como disse uma vez um amigo do meu marido. Normal
pra mim, um absurdo para muitos.
Normal porque era uma opção minha. Estamos na era
das opções, não é mesmo? Jovens de famílias tradicionais escolhem carreiras
modernosas, há muito burburinho em torno da liberdade sexual, a imprensa nunca
foi tão livre... fala-se em liberdade de escolha, liberdade de opinião,
liberdade religiosa... por que com a alimentação, questão de foro íntimo, seria
diferente?
Quem sabe por que comer seja um ato social?
Eu sei que desde sempre essa escolha causou
comentários.
E olha que eu nunca fui radical e menos ainda desagradável.
Sempre freqüentei restaurantes de diversos tipos, procurando adaptar o cardápio
ao meu paladar. Por exemplo, se estamos em uma churrascaria, como saladas e
massas... se estamos em um chinês, yakissoba vegetariano; na feira, pastel de
queijo; na pizzaria, marguerita: simples assim.
Na casa dos outros, nunca fiz cara feia e nem
solicitei cardápio especial: tudo o quê eu sempre quis foi PAZ. PAZ para comer
pão com salada em um churrasco, para comer arroz com batatas em um almoço, para
comer, dentro do quê é oferecido, o quê me apetece. PAZ para não comer o quê eu
não quero.
Mas as pessoas sempre se espantavam. E se
incomodavam. E me perguntavam por quê eu não comia carne... e algumas vezes
quiseram quase me forçar a comer carne ou então a separar a carne da feijoada e
comer o feijão, por exemplo, como se o gosto da lingüiça não impregnasse o
feijão.
Dos restaurantes eu nunca espero que pensem nisso,
menos ainda em festinhas corporativas. Há vários restaurantes por quilo, por
exemplo, que oferecem saladas com presuntos ou peito de peru, massas à
bolonhesa, várias opções que seriam excelentes alternativas vegetarianas... com
a carne no meio, algumas vezes sem nenhuma ou com muito raras opções sem nenhum
tipo de carne.
Em festas da empresa, é comum ter croissants de
presunto, sanduíches de salame, esfihas de carne... ok, é a visão da nossa
sociedade ainda. Como quase sempre temos a opção de escolher onde iremos comer,
basta escolher um local que ofereça alimentos vegetarianos, ou basta não comer
e arcar com a sua escolha algumas vezes.
Na casa dos outros é diferente. As pessoas nos
convidam para comer e sempre querem agradar: churrascos, feijoadas,
macarronadas, estrogonofes: qualquer que seja a escolha do anfitrião, quase
sempre leva carne. Antes, eu me constrangia em avisar o anfitrião previamente,
o quê já me causou algumas saias justas, porque a pessoa ficava sem graça por
ter feito um prato que não agradava e insistia em me fazer outro alimento... e
se eu queria passar despercebida e não dar trabalho, tudo o quê eu conseguia
era chamar muita atenção e dar ainda mais trabalho.
Uma vez, em um dia das mães em família, há muitos
anos atrás, minha tia preparou uma lasanha. Estávamos todos mortos de fome, o
cheirinho de lasanha no forno... na hora H, adivinhem? Pois é, ela esqueceu que
eu não comia carne e não havia um tiquinho de lasanha sem carne para mim.
Almocei pão com manteiga. Normal, ela pensou em um cardápio coletivo e não em
questões individuais.
Hoje em dia, quando é possível, eu aviso “não como
carne, mas não se preocupe, eu como pão, salada, o quê tiver”. Assim a pessoa
se previne e eu também não passo fome. Fica bom para ambas as partes.
Outra vez, em 2000, eu trabalhava no IBGE
e fui ajudar no recenseamento de uma comunidade. Andamos a manhã inteira e no
meio da tarde, resolvemos parar para comer alguma coisa. Só achamos uma
lanchonete para comer. A única coisa que serviam era cachorro quente. Comi pão
com purê e batata palha: pois é, cachorro quente sem salsicha!
Certa vez ainda, em um casamento, sem querer, eu
mordi um salgadinho sem abri-lo antes. Há muitos anos adotei o costume de pegar
o salgado, parti-lo ao meio, perscrutar o recheio e só então mordê-lo. Não sei
porquê dessa vez mordi direto o tal salgadinho, talvez porque fosse um risole e
risole me remete a queijo, sei lá. O fato é que comi o tal salgado e era de
camarão, mas eu sempre, desde que eu me conheço por gente, tenho horror a
camarão! Aí eu tive que sair correndo para o banheiro para cuspir o raio do
camarão. Mas camarão tem cheiro forte, gosto forte, não tinha Coca-Cola no
mundo que me tirasse o gosto de camarão da boca!
Quando eu estava grávida, as coisas pioraram. Todo
mundo gosta de palpitar na vida alheia, em vida de grávida então, é uma coisa
de doido. E todo mundo começou a insistir que eu tinha que comer carne! “Para o
bem do bebê”, insistiam alguns.
Fui me informar e entendi que se o meu organismo já
estava tão acostumado a não comer carne vermelha, não faria a menor falta.
Incluí mil coisas saudáveis na dieta: frutas secas, cogumelos, soja. Pronto!
Achava que “para o bem do bebê” a mãe dele
deveria ter tranqüilidade! Simples assim.
Uma vez, ouvi um absurdo de uma cliente “nossa, se
você não come carne, não pode convidar ninguém para ir à sua casa!”. Uau,
nossa, que lógica obtusa! Como assim? Nunca ouviu falar em pizza de mussarela?
Na verdade, há muitos outros alimentos sem carne,
que vão muito além da pizza de mussarela e é isso que eu quero mostrar aqui.
Comi frango e peixe (este último menos) até os 34
anos, por diversas razões, em especial pela praticidade. Eu achava (com razão)
que a vida sem comer frango e peixe ficaria um pouco mais difícil (e ficou, mas
só um pouco, pela questão prática mesmo, mas nada que não seja contornável e
extremamente compensador).
Optei depois de muito pensar, depois de muito
querer, depois de enjoar definitivamente de comer frango e peixe, depois de
entender os preços que eu ia pagar pela minha escolha (uma dificuldade um pouco
maior de arrumar lugar pra comer, em algumas situações sociais não comer nada,
ouvir mil gracinhas, piadas, perguntas, comentários, etc.).
Parei depois de entender que comer carne ainda que
branca não era condizente com a pessoa que eu sou, com a pessoa que eu queria
ser. Não tinha nada a ver comigo. Parei por uma questão de paladar, mas também
por uma questão espiritual, ecológica, que envolve todas as coisas em que eu
acredito. Acredito que um mundo melhor somos nós que fazemos. Não adianta ficar
apitando na janela, batendo panelas, gritando “impeachment” e não se esforçar
para mudar.
Acredito que os animais sofrem demais no abate.
Acredito em energias e creio que as energias do sofrimento dos animais são sim
transmitidas para a carne que os humanos consomem. Creio em um mundo em que
cada um se esforça um pouquinho mais pelo bem de todos. Creio num mundo em que
cada um faz o quê sua consciência manda.
Alguns dizem “pare aos poucos”. Parei de uma vez,
mas, mais uma vez, não senti falta nem dos nutrientes e nem do sabor. A vida
continuou igual, a saúde idem.
As pessoas começaram a comentar. Alguns sugeriram
os tais exames de sangue e outros, as fatídicas vitaminas.
Até o dia em que eu falei “poxa, eu tenho 34 anos!
Se eu não puder escolher o quê comer, o quê eu posso escolher?”. Os carnívoros
se calaram. Eu não critico os carnívoros. Às vezes brincamos, mas eu os
respeito. Se eu quero ser respeitada nas minhas escolhas, preciso respeitar as
escolhas alheias.
Meu marido come carne. Meu filho, de 5 anos, adora
carne. A imensa maioria dos meus amigos come carne e na minha família, idem.
Respeito. Não faço pregação. Entendo que para quem gosta, parar seja difícil.
As pessoas nem cogitam. Acho normal. Acho normal o livre-arbítrio: quem quer
comer carne, come. Quem não quer, não come. Não acho justo impor o
vegetarianismo a ninguém, assim como não acho justo impor NADA.
Optei. Isso foi no dia 28 de março de 2015, faz
seis meses. Desde o primeiro momento, entendi a importância disso na minha vida
e a satisfação que eu tive e ainda tenho por seguir algo em que eu acredito é
maior do que qualquer obstáculo. Eu me sinto satisfeita em enfrentar uma
mudança prática na vida em prol de um benefício maior: mais saúde, mais paz de
espírito, mais satisfação pessoal.
A mudança é sentida no começo, quando se
tem que procurar alternativas nos supermercados, mudar os lugares em que se
costuma almoçar, avisar os amigos que faziam um franguinho separado no
churrasco que nem o tal franguinho eu como mais. Isso mudou, mas hoje, seis
meses depois, não posso dizer que haja um único resquício de nada disso na
minha vida: o vegetarianismo se incorporou, eu já sei aonde ir, onde comer,
quais alternativas eu tenho perto do trabalho, em casa, no shopping... vida
normal. Já adaptei receitas. Já me adaptei de todo.
Esse é um blog esclarecedor: para que você entenda
todas as faces do vegetarianismo e as suas implicações e, com isso, possa tomar
a sua decisão.
Também é um espaço para dicas, receitas, opiniões
sobre produtos, opções de restaurantes, curiosidades. Conheço muitas pessoas
que comem carne que adoram muitas receitas ou restaurantes vegetarianos. Esse
blog é para você que come carne também, porque apresenta informações que podem
ser úteis a todos.
É, acima de tudo, um espaço de tolerância,
respeitando o direito de cada indivíduo ser o senhor das suas escolhas.
Penso também que o blog seja encorajador: se você
quer se tornar vegetariano, se é algo pensado, que você já decidiu, vá em
frente.
Se você acredita, você pode.
Parabéns pela decisão e pelo excelente texto!! Aguardando os próximos!!!
ResponderExcluirParabéns!! O texto é a sua cara! Quanto mais vegetarianos no mundo, menos sofrimento animal. Não desanime!!
ResponderExcluirParabéns pela matéria!!
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirTereza, senti vc conversando comigo ao ler o texto! Muito legal. Identifiquei-me com o que escreveu. Eu ainda como peixe ocasionalmente. Mas as pessoas me rotulam como vegetariana (o que ainda desejo me tornar), o que parece incomodá-las. Também quero PAZ. Acho uma delícia comer pão, saboreá-lo só ou com alface. Passei a perceber que as pessoas acham esquisito não ter carne na refeição, como se os acompanhamentos batata e brócolis não pudessem ocupar a posição principal de uma refeição! Beijos
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